Coletivo Morro das Panelas: uma história de resistência e atitude em tempos de pandemia

Texto de Maria Teresa Munhoz Salgado

De férias na Juréia, iniciei o ano de 2023 em busca de registros fotográficos sobre iniciativas de economia de suporte comunitário que me apresentassem as potencialidades e fragilidades das vendas diretas de famílias agricultoras da região rural de Peruíbe, com interesse especial aos produtores de alimentos orgânicos e agroecológicos.

Durante a realização desta minha busca, empreendida com objetivo de aprofundar os conhecimentos obtidos durante o ano anterior no II Ciclo de Formação em Práticas Comunitárias Sustentáveis promovido pela CSA Brasil (1) com apoio da ONG Trias (2), tive a alegria de encontrar com a agricultora Suzete A. S. Coutinho responsável, junto com seu esposo Edson, pela reativação, em março de 2020, do Coletivo Morro das Panelas (3).

O Coletivo Morro das Panelas, que faz parte da @redesolidariaperuibeiv, reúne diversos produtores rurais da cidade, agindo para facilitar seus trabalhos e distribuir os alimentos cultivados por seus membros.

O grupo produz hortaliças, legumes, frutas, oleaginosas, processados e dezenas de outros itens, sem venenos maléficos pra nossa saúde e para terra que cultivam.

Com o aumento do número de pessoas em estado de insegurança alimentar no Brasil devido às imposições de isolamento decorrentes da pandemia de Covid-19, optei por observar o uso do território em questão e das atividades do referido Coletivo do ponto de vista da produção (oferta) e do acesso aos alimentos, buscando refletir sobre a concepção do direito humano à alimentação adequada, bem como, sobre os conceitos da cultura do apreço, do comércio justo e da economia solidária.

Para Paul Singerv, a economia solidária é uma crítica ao modo de produção capitalista centrado na competitividade, lucro e hierarquia. Esse pensamento econômico se baseia na propriedade coletiva do capital, na autogestão e na melhoria das condições de vida de forma ampla e igualitária.

Neste cenário, a alimentação é uma das dimensões cruciais a serem analisadas.

Por outro lado, para traçar um diagnóstico do acesso aos alimentos saudáveis, outro conceito fundamental é o dos circuitos curtos de comercialização, que diz respeito aos mercados locais, com a inexistência ou um reduzido número de atravessadores, e, onde há maior nível de inter-relação entre produtores e consumidores.

Assim, para compreender essa dinâmica dos circuitos curtos, após o contato com Suzete e sua história(7), percebi que meus registros deveriam se dar na Feira do Produtor Rural de Peruíbe e na região do Morro das Panelas onde Suzete e sua família viviam.

Em Peruíbe, há áreas destinadas à preservação ambiental da Mata Atlântica, pertencentes ao Parque Estadual da Serra do Mar e a outras unidades de conservação, e, por isso, em muitas situações, o uso agrícola do território se depara com fatores limitantes em razão de aspectos legais(8).

As propriedades rurais que se encontram no Morro das Panelas estão inseridas nessa realidade.

Entre as restrições para o cultivo de alimentos estão as características de clima, solo e relevo litorâneos e, principalmente, as pressões do processo de especulação imobiliária que acirram as disputas pelo tipo de uso do solo na região.

Mesmo neste cenário, contudo, há uma produção agrícola local valorosa e que contribui muito com o abastecimento alimentar em Peruíbe.

Segundo o Levantamento de Unidades de Produção Agropecuária (LUPA)(9), a atividade agropecuária em Peruíbe ocupa área de 5.784 ha com 180 imóveis rurais que são, predominantemente, de pequeno porte e de base familiar (80% do total).

Destacam-se os cultivos da banana, jaca, mexerica, goiaba, milho, feijão, tubérculos, mandioca, hortaliças, palmito pupunha, além de apicultura, piscicultura, avicultura, suinocultura, equinocultura, pecuária mista, produtos processados artesanalmente, turismo rural e de base comunitária(10).

Na Feira do Produtor Rural e da Economia Solidária de Peruíbe, que acontece às quartas-feiras na área central da cidade, são ofertados alimentos orgânicos e agroecológicos in natura, além de produtos alimentícios artesanais como biscoitos, doces, geleias e pães.

Há também a venda de plantas alimentícias não convencionais (PANCs) e de mudas de plantas medicinais e ornamentais.

No mesmo espaço são comercializados brinquedos e artigos para higiene, vestuário e beleza, bem como, itens confeccionados pela população local tais como bordados, crochê, fuxico, tricô, bonecas de tecido, bolsas, toalhas, caixas decorativas, bijuterias e sabão artesanais.

Ao longo da manhã de 11 de janeiro, data em que realizei meus registros fotográficos desta Feira, escutei relatos dos agricultores que lá estavam presentes a respeito dos desafios diários enfrentados em suas relações com os governos municipal e estadual.

Entre os que mais se repetiram nos diálogos posso elencar:

  • a precariedade das estradas rurais;
  • a dificuldades no transporte público ligando à zona rural e urbana;
  • o alto custo do frete para o transporte particular,
  • a ausência de conectividade no campo que dificulta/impede as vendas pela internet,
  • a escassez de mão de obra eventual para o apoio no trabalho rural;
  • a dificuldade de oferta de crédito para compra de insumos (compostagem), equipamentos agrícolas, veículos para logística no transporte da produção e para aquisição de imóveis rurais; bem como
  • a necessidade da instalação de galpão para a organização da logística da comercialização/recebimento da produção para a distribuição de cestas.

 

Na mesma data, durante a tarde, Suzete me convidou para conhecer a propriedade da agricultora Cristina, uma das participantes do coletivo Morro das Panelas. Aceitei de pronto.

Após cerca de 20 km de estrada de terra eu, Suzete, seu esposo Edson e minha colega Eliane Grasso (nutricionista de Peruíbe), chegamos ao local em que a agricultora vive sozinha com sua filha de 14 anos.

Viúva desde o ano passado (o marido faleceu devido à Covid), rodeada pelas montanhas do Parque Estadual da Serra do Mar, pela mata atlântica e por suas plantas e animais, esta pernambucana arretada vive em um mundo onde o tempo ainda passa devagar.

Depois de nos servir um delicioso suco de cajá-manga colhida no pé, Cristina nos apresentou sua horta. Tomatinhos, buchas, berinjelas, maracujás, caapebas, rabanetes, bananas, taiobas, lírios, jacas e até melão-de-são-caetano cultivados apenas por ela, de forma totalmente orgânica e agroecológica. Entre os animais: galinhas d’angola criadas soltas, peixes, perus, e, ainda, alguns porcos para consumo próprio.

Com orgulho, a agricultora também nos mostrou sua cozinha, que serve de panificadora na região, e, sua pequena quitanda.

Exemplo de força feminina que cultiva a terra, mas também zela pela fauna e flora locais, Cristina nos falou que todos os tipos de “bichos do mato” já visitaram sua casa, mas, que até a onça que vive por lá é “da paz”!

Preocupados com as condições do clima e da estrada, partimos de volta à cidade ao anoitecer, levando conosco os registros de um Brasil cheio de integridade e resistência da floresta que alimenta.

Registros de um Brasil valente, que insiste em florescer.

Os registros fotográficos que realizei podem ser visualizados nos links abaixo pela aba convidados:

https://maitesalgado.fotogo.com.br/feira-de-economia-solidaria-de-peruibe/

https://maitesalgado.fotogo.com.br/agricultora-cristina/

Palavras-chave: economia de suporte comunitário, agricultura familiar, comercialização, sistema de produção orgânica e agroecológica.

1 https://csabrasil.org/csa/. Acesso em: 15-01-23

2 https://www.trias.ngo/en/. Acesso em: 15-01-23

3 https://www.facebook.com/groups/902961327123276/?locale=pt_BR Acesso em: 15-01-23

4 https://www.instagram.com/redesolidariaperuibe/. Acesso em: 15-01-23.

5 SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.

6 DAROLT, M. R. Conexão ecológica: novas relações entre agricultores e consumidores. Londrina: IAPAR, 2012.

7 https://youtu.be/2X-eqVmegls (entrevista com o Suzete realizada pelo Projeto Agroecos em 26/01/2021). Acesso em: 15-01-23.

8 https://mapcarta.com/pt/37129032. Acesso em: 15-01-23.

9 SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Instituto de Economia Agrícola. Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável. Projeto LUPA 2019: Censo Agropecuário do Estado de São Paulo. São Paulo: SAA: IEA: CDRS. Disponível em https://www.cdrs.sp.gov.br/projetolupa/. Acesso em: 15-01-23.

10 RAMOS, S. de F.; CALGARO, H. F. Circuitos Curtos de Comercialização: organização social, pesquisa e extensão rural nas Feiras do Produtor Rural em Peruíbe, Estado de São Paulo. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 16, n. 12, p. 1-11, dez. 2021. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=15992. Acesso em: 15-01-23.

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